domingo, 21 de junho de 2009

Inteligência e instinto


A Inteligência é o traço de união entre o Espírito e a Matéria.

Não é o Espírito; mas é o seu representante, a sua actividade criadora e compreensiva na matéria, aquilo que permite lidar na e com a diversidade (visto que o Espírito é pura Unidade).

E também não é a Matéria; mas é o númeno e a soma de todas as suas propriedades operativas, a Lei que lhe é inerente, a ordem que enlaça causas e feitos, a potência propulsora da evolução.

No ser humano, a Inteligência é o carácter distintivo e o grande campo de trabalho.

Diz um vetusto axioma oculto que o homem é o ser no qual “o mais elevado Espírito e a mais densa Matéria estão unidos pelo fogo da Mente” ou da Inteligência.

De resto, o Homem é o Filho da Inteligência.

É a partir do Plano Mental Superior, ou do nível de Buddhi-Manas, que ele encarna nos Planos e níveis mais materiais; e o Ego encarnante, o Filho do Homem ou Manas, é um raio da Mente Cósmica ou Inteligência Cósmica, Mahat ou Maha-Buddhi.

Por outro lado, esse raio foi nele despertado (a meio da 3ª Raça-Raiz, no época da Lemúria) por essas gloriosas Inteligências Divinas a que chamamos os Senhores da Mente, a Hierarquia dos Agnishvattas (mais propriamente por uma ordem dessa Hierarquia: os Kumaras)

Tipos e Níveis de Inteligência

Podemos, entretanto, distinguir vários tipos ou formas de actuação da Inteligência, em especial no ser humano.

Existe a inteligência mental ou racional.

É a mente concreta e externa no ser humano, estreitamente dependente do cérebro e, por isso mesmo, frequentemente chamada, em Ocultismo, mente cerebral.

Regista e trabalha as impressões dos sentidos; deles, basicamente, é dependente; a eles, basicamente é reactiva.

Sendo reactiva, sendo condicionada e moldada por este ou aquele particular jogo de circunstâncias, não é um espaço de liberdade.

Não é por causa desse nível, na hierarquia dos princípios humanos de consciência, que somos livres.

Há um nível acima desta Inteligência média que acabámos de referir: é a inteligência espiritual, intuitiva, que actua do interior para o exterior, sobrepondo-se à fugidia aparência fenomenal.

Corresponde ao Noús dos antigos filósofos gregos (de Anaxágoras a Proclo), à consciência supramundana auto-induzida (Lokuttura) dos Budistas 1, ao Anandamayakosha da Vedanta, ou ao Buddhi da Filosofia Samkhya e da classificação septenária da Teosofia apresentada no século XIX.

Actua no nível das causas, compreende o âmago das coisas, contempla os universais, dirige-se à realidade interna e não à superfície dos seres e das coisas.

Permite a Sabedoria Amorosa (ou o Amor Sábio). É o nível de inteligibilidade do Bom, do Belo e do Verdadeiro.

É o supraconsciente da quase totalidade dos seres humanos, isto é, aquilo que está acima da sua consciência normal.

Formulações recentes, ainda confusas e por joeirar, sobre a inteligência criativa, a inteligência espiritual e a inteligência intuitiva, tacteiam este tipo de vivência.

Nela, entretanto, não cabem – como já por várias vezes escrevemos anteriormente 2 – pressentimentos vagos ou inclinações súbitas.

Subscrevemos plenamente as observações de Arthur Robson:

“Buddhi é comummente descrito como intuição. Isto, porém, pode induzir em erro, porque as pessoas frequentemente consideram erradamente um “’palpite’ como intuição. Entre este tipo de intuição e a intuição búddhica há uma diferença vital” 3.

Pelo contrário, abaixo da inteligência discursiva e racional, temos o que poderíamos chamar a inteligência passional, egoísta ou animal.

Corresponde ao Kama-Manas e à Alma Temporal, a que já nos referimos em vários artigos, em números anteriores da “Biosofia” 4.

É um tipo de inteligência toldada pelos desejos pessoais, sensorial nos seus móbeis e na sua actuação, superficial, instável, caprichosa, incoerente. No entanto, é ainda o registo em que vibra a maior parte da Humanidade.

Filósofos gregos antigos, nomeadamente Plotino, distinguiam três modos de percepção: opinião, ciência e contemplação.

A opinião é própria da inteligência passional; a ciência, da inteligência discursiva; a contemplação, da inteligência espiritual.
O Instinto

Poderíamos ainda falar no instinto.

É, em nós e nos animais, o nível dos automatismos adquiridos por longa repetição no passado – inclusive, em muitas vidas precedentes –, e que agora preenchem a nossa zona do subconsciente, isto é, do que está abaixo da nossa consciência comum.

Mais alargadamente, porém, o instinto, sobremaneira nos Reinos inferiores ao Humano, corresponde à expressão de uma Inteligência inerente em toda a substância.

No ser humano que, ao despertar a Inteligência Racional, chega a conquistar um agudo sentido de autoconsciência individual, a direcção certeira desse tipo de instinto perde-se em grande medida, para ressurgir mais tarde, num nível superior da espiral, num correspondente (mas de ordem muito superior, porque espiritualizado), que é Buddhi, a intuição espiritual.

É o que expressa Helena Blavatsky no seu primeiro livro, “Ísis Sem Véu” 5:

“O Instinto é o dote universal da Natureza conferido pelo Espírito da própria Divindade; a razão, o lento desenvolvimento da nossa constituição física, é uma evolução do nosso cérebro material adulto.

O instinto, tal uma centelha divina, esconde-se no centro nervoso inconsciente dos moluscos ascidiáceos e manifesta-se no primeiro estágio de acção do seu sistema nervoso numa forma que o fisiólogo denomina acção reflexa.

Ele existe nas classes mais inferiores dos animais acéfalos, bem como naqueles que têm cabeças distintas; cresce e desenvolve-se de acordo com a lei da evolução dupla, física e espiritualmente; e, entrando no seu estágio consciente de desenvolvimento e de progresso nas espécies cefálicas já dotadas de sensório e de gânglios simetricamente distribuídos, esta acção reflexa – que os homens de ciência denominam automática, como nas espécies inferiores, ou de instintiva, como nos organismos mais complexos que agem sob a influência do sensório e do estímulo que se origina de sensação distinta – é sempre uma e a mesma coisa.

É o instinto divino no seu progresso incessante de desenvolvimento.

Esse instinto dos animais, que agem a partir do momento do seu nascimento nos limites prescritos para cada um pela Natureza e que sabem como, excepto em caso de acidente que procede de um instinto superior ao seu, preservá-los infalivelmente – esse instinto pode, se se quiser uma definição exacta, ser chamado de automático; mas ele deve ter, no interior do animal que o possui, ou fora dele, a inteligência de qualquer coisa ou de alguém para o guiar. (…) a questão do instinto e da razão.

Esta última, de acordo com os antigos, procede do divino; o primeiro, do puramente humano.

Um (o instinto) é um produto dos sentidos, uma sagacidade compartilhada com os animais mais inferiores, mesmo aqueles que não têm [não são detentores de] razão; o outro é o produto das faculdades reflexivas, que denota a judiciosidade e a intelectualidade humanas.

Em consequência, um animal desprovido de poderes de raciocínio tem, no instinto inerente ao seu ser, uma faculdade infalível que é apenas uma centelha do divino que reside em cada partícula de matéria inorgânica – o próprio espírito materializado. Na Cabala judaica, o segundo e o terceiro capítulos do Génese são explicados as seguinte maneira:

Quando o segundo Adão foi criado do pó”’, a matéria tornou-se tão grosseira, que ela reina como soberana. Dos seus desejos emanou a mulher, e Lilith possuía a melhor parte do espírito.

O Senhor Deus, ‘passeando no Éden no frescor do dia’ (o crepúsculo do espírito, ou a luz divina obscurecida pela sombra da matéria), amaldiçoou não só aqueles que cometeram o pecado, mas também o próprio solo e todas as coisas vivas – a tentadora serpente-matéria acima de tudo.

Quem, a não ser os cabalistas, é capaz de explicar este aparente acto de injustiça?

Como devemos compreender esta maldição de todas as coisas criadas, inocentes de todo o crime? A alegoria é evidente.

A maldição é inerente à própria matéria.

Segue-se que ela está condenada a lutar contra a sua própria grosseria para conseguir a purificação; a centelha latente do espírito divino, embora asfixiada, ainda permanece; e a sua invencível atracção ascensional obriga-a a lutar com dor e com suor a fim de se libertar.

A lógica mostra-nos que, assim como toda a matéria teve uma origem comum, ela deve ter atributos comuns, e que, assim como a centelha vital e divina se encontra no corpo material do homem, também deve estar em cada espécie subordinada.

A inteligência latente que, nos reinos inferiores, é considerada semiconsciência, consciência e instinto, é enormemente moderada no homem.

A razão, produto do cérebro físico, desenvolve às expensas do instinto a vaga reminiscência de uma omnisciência outrora divina – o espírito.

A razão, símbolo da soberania do homem físico sobre todos os outros organismos físicos, é frequentemente rebaixada pelo instinto animal.

Como o seu cérebro é mais perfeito do que o de qualquer outra criatura, as suas emanações devem naturalmente produzir os resultados superiores da acção mental; mas a razão serve apenas para a consideração das coisas materiais; ela é incapaz de auxiliar o seu possuidor no conhecimento do espírito.

Perdendo o instinto, o homem perde os seus poderes intuitivos, que são o coroamento e o ponto culminante do instinto.

A razão é a arma grosseira dos cientistas – a intuição, o guia infalível do vidente.

O instinto ensina à planta e ao animal o tempo propício para a procriação das suas espécies e guia a fera na procura do remédio apropriado na hora da doença.

A razão – orgulho do homem – fracassa no refrear as propensões da sua matéria e não tolera nenhum obstáculo à satisfação ilimitada dos seus sentidos.

Longe de levá-lo a ser o seu próprio médico, a sua sofisticaria subtil leva-o muito frequentemente à sua própria destruição”.

Em resumo, o homem racional, embora temporariamente, perdeu para sempre os poderes do instinto e perdeu provisoriamente (até os readquirir com plena consciência búddhica, depois de desenvolver o mental e elevar-se mais acima) os poderes da intuição superior.

Despertar a inteligência espiritual ou intuição, é o resultado de um longo e persistente esforço de purificação, de sublimação ética, de subtilização da substância que atraímos e com que lidamos.

Implica uma educação, uma disciplina, um treino para libertar a mente do fascínio dos sentidos, das coisas superficiais, dos fenómenos concretos e particulares, dos estímulos externos e para a habituar a pensar em termos amplos, dirigindo-se para o que é universal e perene.

Inteligência Subjectiva e Inteligência Objectiva

Na Árvore da Vida cabalística, encontramos uma inteligência subjectiva, interior ou (segundo o texto do Sepher Yetzirah) inteligência iluminadora, representativa da qualidade vivencial do ser e correspondente a Chokmah e ao pilar de que esta sephirah é o topo (e que desce por Chesed e Netzach); uma inteligência objectiva ou ordenadora, representativa das Leis que regem a substância e os seus veículos, e correspondente a Binah e ao pilar por ela encimado (e que continua por Geburah e Hod) 6.

Equilibrando as duas, respectivamente Sabedoria e Conhecimento, temos no meio a coluna do Ser ou do Equilíbrio, no alto da qual está Kether, que o texto do Sepher Yetzirah denomina “inteligência oculta”.

O homem completo, equilibrado e aperfeiçoado conjuga as duas.

Ciência-Conhecimento sem qualidade interior ou boa vontade sem Entendimento, ambas são opções coxas, porque amputadas da contraparte equilibradora.

A Inteligência da Natureza

Até agora, temos falado, basicamente, da Inteligência no Ser Humano.

No entanto, tudo no Universo, na Natureza, desde um simples átomo até à mais gloriosa divindade, é inteligente, vive no seio da Inteligência Cósmica e dela participa, em maior ou menor grau.

Toda a Natureza Universal, como Manifestação, no espaço e no tempo, da Vida Una e Eterna, é a expressão do Terceiro Logos. E este é “a Ideação Cósmica, Mahat ou Inteligência, a Alma Universal do Mundo; o Númeno Cósmico da Matéria, a base das Operações inteligentes da Natureza” 7, a Lei e a Ordem Manifestadas 8.

É na Alma Universal, na Anima Mundi, que existem todas as unidades de vida; por isso todas elas estão permeados da Ordem Inteligente, que preside a todo o Cosmos.

O Cosmos Uno é Inteligente, e assim são inerentemente inteligentes todas as partes que o integram. Na sua grande sabedoria, afirmava Plotino, no Séc. III, nas Enéadas:

“A Inteligência não é apenas uma: é uma e muitas. Da mesma forma há simultaneamente Alma e muitas almas. Da Alma Una procede uma multiplicidade de almas (…) algumas das quais são mais racionais e outras (pelo menos na sua actual existência) menos racionais na forma” 9.

A inteligência na Natureza é o potencial de aptidão que cada espécie (e cada ser individual) actualiza em determinado grau. Ela é inata e universalmente disseminada; contudo, os seus actores, que a veiculam, apenas a concretizam no grau que lhes é próprio, em cada momento.

A Vida serve-se da Substância como que de um espelho, e nela se lê a si própria e se descobre. Ao fazê-lo, objectiva-se, ou seja, produz (desvelando, de si) paulatinamente o mundo fenoménico, as cadeias de mundos e os seus inumeráveis actores, de forma hierarquizada.

Em tudo isto, se dá a revelação da inteligência, a objectivação da consciência, potencialmente contida no Absoluto, na Vida Una, no Ser Uno.

A Inteligência exsurge da matéria pré-cósmica – ou antes, da raiz pré-cósmica da Matéria, Mulaprakriti –, quando Daiviprakriti 10, a correspondência, no nível (inicial) de Manifestação Universal, de Parabrahaman (o Absoluto), nela (Mulaprakriti) desperta.

Daiviprakriti, a substância divina, o poder evolutivo original da substância, o dinamismo inteligente que propulsiona a manifestação, contém toda a informação, todo o plano para o Cosmos que vai despontar. Na cabala, Shekinah está para Daiviprakriti, como Ain Soph está para Parabrahman 11.

Em cada nível da Hierarquia do Ser, um tipo de inteligência se desdobra e manifesta, sendo cada um desses tipos correspondente à diferenciação septenária de Prajna, a percepção inteligente.

Acima do Reino Humano, brilham, gloriosamente, aquelas grandes ordens de Inteligências Espirituais, os Dhyan-Chohans da espiritualidade oriental ou os Querubins, Serafins, Tronos, Arcanjos, etc., da tradição ocidental, que são, de forma consciente, criadores de mundos e formas, directores da manifestação e expressões da Lei, de Acordo com os Arquétipos contidos na Mente Cósmica


***José Manuel Anacleto - Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural



"LUZ" sempre e Bjks!!!

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